domingo, 21 de agosto de 2011

Escalando o maior monolito em forma de agulha do Brasil


Escrito por Claudia Faria.

Escalada da Pedra da Agulha, Pancas/ES: o maior monolito em forma de agulha no Brasil
Histórico - Escalada pela primeira vez em 1959, se tornou a maior escalada do Brasil por décadas. É considerada a maior e mais difícil chaminé do Brasil até os dias de hoje. Sua primeira repetição foi em 1969, 10 anos depois.
Muitas tentativas foram feitas, mas somente alguns tiveram êxito.
Considerada um mito para os escaladores antigos, hoje é uma rota que impõe respeito, pois o conjunto da chaminé exige todos os tipos de técnicas deste estilo. Está graduada em 5º grau livre, mas poderia ser mais se um número maior de escaladores tivesse concluído a rota.

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A NOSSA BUSCA POR AVENTURA
Pancas está no Cinturão dos Pontões Capixabas. Uma região farta em fazendas de café e, por todas elas, brotam paredes de granito com mais de 500m de escalada virgem.
Os vales são caracterizados pela presença de cachoeiras, rios, árvores nativas e da comunidade local, descendentes de Pomeranos, que se destaca pela hospitalidade com a qual os aventureiros são acolhidos com muito carinho e entusiasmo desde a época da primeira escalada na região. Um exemplo disto é a família Romaz, que até hoje vive do cultivo do café e continua recebendo os escaladores em sua fazenda.
A escolha da face oposta à chaminé Brasília, aresta norte da Pedra da Agulha, foi feita por causa de uma conversa com o primeiro escalador desta pedra, Giusepe Pellegrini, dentro do bondinho do Pão de Açúcar, onde afirmou a Gustavo que se ele abrisse uma via ali, seria uma das escaladas mais lindas do Brasil. Inclusive, Pellegrini já havia visitado esta parte da montanha em 1959 e batido um grampo para garantir que nenhum outro clube naquela época tentasse subir a Agulha, que era chamada de Dedo de Deus do Espírito Santos.

PRIMEIRO DIA: EXPECTATIVA
Claudia: “Viajei 500 km de São Paulo para o Rio de Janeiro para encontrar Gustavo na Cidade Maravilhosa com sua Toyota Hilux abarrotada de equipamentos.
O que me impressionou muito foi saber que todas aquelas ’tralhas’ seriam levadas apenas por nós dois para a parede.”

SEGUNDO DIA: A VIAGEM
Claudia: “Saímos do Rio de Janeiro ao amanhecer e tomamos café na BR101. Fiquei admirada e impressionada com um vale lindo repleto de montanhas e muitas pedras, como o Frade e a Freira, uma obra esculpida pela natureza!
Não sabia que ainda enfrentaríamos mais de 700 km de estrada para chegar a uma cidade pequena chamada Pancas que possui apenas três ruas principais.
A cidade impressiona a todos escaladores que ali chegar!
O menor pico desta cidade é do tamanho do Pão de Açúcar e o maior são dois Corcovados.
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Ao final da tarde, decidimos tentar ganhar algum tempo abrindo a trilha para a base. Conseguimos 1 km de trilha até encostar na majestosa agulha.

Voltamos para a pousada a noite, cansados, mas felizes.”

TERCEIRO DIA: PRIMEIRO CONTATO COM A ROCHA
Claudia: “Não resolvemos nada. Como Gustavo sempre diz: ‘a montanha é quem dita as regras do jogo’. Levamos cada um uma corda, alguns friends pequenos e vinte chapeletas.
Após um dia todo sendo castigados pelo sol, abrimos 120 metros de via com dez chapeletas. Fixamos uma parada dupla e sugerimos 7º grau para a parede mais vertical da via em livre.
Ao termino da escalada, fomos dar conta do tamanho da agulha que escolhemos escalar e suas dificuldades: a Face Norte, com sol o dia todo, era possivelmente uma mega via, bem maior que a Chaminé Brasília, localizada no outro lado.”

QUARTO DIA: A GRANDE SURPRESA
Claudia: “Subimos um total de 300 metros, todos em livre. Estávamos com energia!
Levamos muita água, porém, como o dia estava nublado, acabou sobrando e deixamos uma reserva na parede.
Avistamos todas as fazendas ao redor da agulha. Desde o primeiro dia, ouvíamos um ronco assustador que vinha da mata. Hoje descobrimos que era dos macacos que vimos no topo das árvores no pé da montanha.
Quando pareceu que estávamos no meio da escalada, tínhamos gasto trinta e três chapeletas, um grampo P e todas as sete cordas fixas.
Após três horas de descida com rapel, ficamos tristes ao olhar a via de sua base. Teríamos aproximadamente mais de 400 metros de parede para escalar e só nos restavam dez grampos P e oito chapeletas. Parecia que a escalada havia terminado ali. Nos sentimos derrotados pela imensa muralha de granito lisa que tínhamos pela frente e nossa pouca quantidade de grampos para enfrentá-la.
Apenas no final da parede, parecia ter alguma chaminé e fenda até o cume.”

QUINTO DIA: CAMARADAGEM DOS MONTANHISTAS
’Quanto maior o problema, mais forte a cabeça dos homens.’(Gustavo Silvano)
Claudia: “Gustavo fez contato com Oswaldo, um escalador em Vitória/ES, a 150 quilômetros de Pancas. Ele concordou imediatamente em enviar vinte e quatro chapeletas para nos ajudar, mas não sabia como nos enviá-las da capital capixaba. Por milagre, descobrimos um motorista da Prefeitura de Pancas que estava vindo de Vitória naquele mesmo dia.
Às 22 horas, o dedicado Secretário de Turismo Elson Augusto do Nascimento entregou pessoalmente as chapeletas na Pousada Ninho das Águias, nossa ‘base’ na cidade.
Gustavo ficou muito agradecido pela ajuda de todos e, agora, com as chapeletas nas mãos, tínhamos a esperança de terminarmos a escalada.”

SEXTO DIA: O ATAQUE...            
Demoramos metade do dia para subir o que estava feito.
A outra parte do dia foi no sol para ganhar apenas 45m; para piorar nossa situação, um enxame de abelhas gigantesco passou zumbindo pelas nossas orelhas deixando-nos morrendo de medo, achando que havia uma colméia perto de onde estávamos batendo grampo e falando.
Quase fomos atacados, mas ficamos quietos e não falamos nada durante a descida, evitando acidentes com essas abelhas.

SÉTIMO DIA: ALEGRIA
Mesmo o dia sendo ensolarado e sacrificante para quem está guiando, usando estribos, dando segurança, fazendo furo com a mão, com a furadeira, caindo pedra. Mesmo assim chegamos na base da chaminé em formato de S que queríamos alcançar, mas não dava para ver nem com binóculos se era profunda para podermos escalar sem bater grampo.
Agora já estávamos com 50% de via concluída no mínimo.
Um sistema de chaminé, fendas, fissuras, pequenas árvores na parede com aproximadamente 300m direto do cume.
Tínhamos acabado de descobrir, como diz Gustavo, "a primeira linha mágica da minha vida". E surgiu a idéia de homenagear um amigo, uma pessoa de muita importância para o montanhismo brasileiro
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OITAVO DIA: 24 HORAS DE ESCALADA
Saímos às cinco da manhã, nós dois sozinhos em um domingo indo para a maior das aventuras, tentar chegar no cume da agulha pela primeira rota externa, com todos os tipos de dificuldade, sem muita água e comida. Equipamento de dormir apenas para uma pessoa, poucas chapeletas, oito grampos, furadeira com uma bateria e sem material para dormir pendurado. Tínhamos que dar a sorte de encontrar um platô que coubessem os dois. Caso não achássemos um platô, teríamos que ir até o cume, único local abrigado para dormir com segurança. Isso sem contar com o pior de tudo: chuva! Estaríamos presos na parede.
Retiramos a primeira corda fixa da via e levamo-la para cima, a técnica era: um guiava e o outro jumariava com tudo nas costas, uma mochila que pesava uns 40 kg.
A segunda parte da chaminé eram 30 metros na vertical de 6º grau ou mais, inteiramente em fenda e proteção móvel. Se o guia cair, para na cabeça do outro, o lance era muito exposto, até para o segundo ficou duro a escalada, entrar com a metade do corpo na chaminé levando a mochila pesada era quase impossível.
Tivemos que abandonar vários friends nesse trecho para ganhar tempo.
No final do dia, com os últimos raios do sol, conseguimos vencer a chaminé de 60 metros, toda em livre de 6º grau. Batemos dois grampos e uma chapeleta.
"Já noite, fixei uma parada dupla no paredão vertical, o vento já era gelado, estávamos expostos em uma aresta com mais de 400 m de altura. Abrir via a noite, é a coisa mais louca que existe."(Gustavo Silvano)
Gustavo: “ toda hora tinha que parar na broca para desviar de enormes blocos soltos nos pequenos platôs existentes. A parada foi feita em um platô com formato de arco que mau cabia nossos pés.”
A escalada começou a ficar perigosa, já às 21 horas, Gustavo muito cansado, começou a pedir para deixar todo equipamento na parede afim de ganharmos tempo.
Em uma manobra rotineira, deixou cair um clif, o único que nos restava. Por sorte, uma planta prendeu a peça e ele conseguiu recuperá-la. Seria o fim, sem ela não conseguiríamos progredir um trecho liso que acabara de surgir.
Subimos 600 metros. Eu em um grampo com frio e a Claudia em uma chapeleta com a mochila pesada. Fizemos a última investida.
Bexiga quase estourando com vontade de urinar, o vento gelado, nenhum platô para ficar e muitas rochas soltas pelo caminho.
A noite não tem como ver o melhor caminho. Em uma medida desesperadora, abandonei a furadeira para ficar mais leve, coloquei duas chapeletas e três grampos no boudrie, alguns mosquetões, friends já não havia mais, pois abandonamos todos na chaminé.
Gustavo: “Parti leve, solto para o que seria a cordada mais importante da via. Bati uma chapeleta a 30 metros e escalei. A lua estava cheia e iluminou enormes blocos e árvores do platô secundário do cume da agulha.              

Meia noite, dia 17 de julho de 2011 - estávamos chegando ao final da impressionante agulha de Pancas, um Big Wall de 600 metros”.
Meio litro de água, uma lata de sardinha e um pacote de azeitonas o nosso jantar. Uma hora da manhã dormimos feito ursos no capim e acordamos às cinco horas com a alvorada do sol.
Todos os vales nevoados, as plantas com orvalho. Em cada gotinha na ponta das folhas, passávamos a língua para hidratar-nos em busca do precioso líquido.
Contornamos a língua de mato para a outra face da montanha, demos a volta perdidos na mata do cume. Chegamos todos arranhados no livro do cume da Chaminé Brasília. Tomamos banho de sol, Claudia achou um carrapato, trocamos o livro que já estava todo molhado e estragado.
Às oito horas em ponto, como o Gustavo havia dito para os moradores da região, algo incrível! Como os primeiros, soltamos o rojão. Passados alguns minutos, trabalhadores do cafezal gritavam para nós, Genésio e Gerson da Fazenda Romaz soltaram outro rojão!
Passado a euforia em ver todas as fazendas acompanhando nossa escalada, iniciamos a descida.

 O FINAL: 6 HORAS DE RAPPEL.
Iniciamos o rappel, o sol já estava quente. Deixamos uma fita no primeiro rappel em árvore.
Claudia: “Tive que esperar sem água, em baixo do sol, Gustavo bater um grampo na mão”.
Para chegar na chaminé, abandonamos uma corda presa por dois mosquetões para servir de corrimão e nos aproximar da parede. A corda ainda está lá para os próximos escaladores.
Passamos pela chaminé, recolhemos os friends que havíamos deixado.
A cada cordada a mochila ficava mais pesada.
Já ao meio dia, puxando a corda percebemos que estava presa. Cansados e ambos desidratados, resolvi eu, Claudia, subir 40 metros para liberá-la. Gustavo já estava tão fraco que seu semblante era apático; um dia anterior ele abriu 200 metros de via, nada mal para um velhinho escalador com hérnia de disco e dezoito parafusos no braço!
Esse contratempo nos atrasou e nos expôs por um tempo maior sob o sol mais quente de um dia capixaba.
A sorte, e o que nos entusiasmava, era que no fim do próximo rappel, havia um litro de água esperando por nós, ótima estratégia, deixar água na parede, salvou nossas vidas. Também deixamos água na base da via.
Terminamos o rappel às 15 horas; exaustos, ainda tínhamos a trilha para encarar, cada um levando aproximadamente 50 kg de equipamento nas costas.
Mas valeu muito o esforço, conseguimos chegar inteiros na pousada após realizar o sonho de uma paulista escaladora - abrir um Big Wall, e o projeto de um alpinista carioca - abrir e escalar os três picos mais altos de Pancas, Pedra da Gaveta com 750 metros em 1999/2000, pedra do camelo com 500 metros em 2010 e agora a Pedra da Agulha com 600 metros.



O nome dessa via é Paredão “Bernardo Collares” para que ele seja lembrado sempre nas alturas dos mais belos picos.



PARABÉNSSS E OBRIGADOOO, CLAUDINHA E GUSTAVO, POR MAIS UMA CONQUISTA!!!

terça-feira, 16 de agosto de 2011